segunda-feira, 11 de agosto de 2014

O meu ponto de vista da origem do nome "Baía dos Tigres"


1.       Do nome

É do conhecimento geral que existem 3 versões sobre a origem do nome da maior ilha de Angola “Baia dos Tigres”.

A 1ª é que tal designação se deve à coloração raiada ou tigrada que apresentam as dunas vistas à distância, no mar.

André Guilcher, Carlos Alberto Medeiros, José Esteves de Matos e José Tomás de Oliveira, em “Les Restingas (Flèches Littorales) d’Angola, spécialement Celles du Sud et du Centre” Finisterra, vol. IX, nº 18, Lisboa 1976, pp. 171-211, dizem:

“O lado continental da baía é delimitado, imediatamente atrás da área costeira, através de um imponente maciço dunar de mais de 10 km de largura por 100 a 200 m de altura. As dunas de mais de 100 m encontram-se menos de 1 Km da costa. A areia destas dunas são modo geral claras e não avermelhadas, mas contêm minerais pesados​​ em abundancia, cujas amostras o Sr. Louis Chauris gentilmente estudou. Os minerais mais comuns são granada, magnetite e ilmenite mas também encontramos zircão, anfibólio e turmalina verde. O vento concentra esses minerais em grandes faixas nas partes baixas das dunas; vistas do mar, estas grandes faixas de cor avermelhada dão uma aparência multicolorida ou tigrada e é talvez daqui que venha o nome de baía dos tigres, dadas pelos navegadores, porque, é claro, não há tigres aqui.”


Aqui podem-se ver as faixas tigradas das dunas.

 

Foto tirada do alto da barreira dunar da baia dos Tigres.
A 2ª consta que é que o vento a soprar na areia produz um som parecido ao rugido do leão e dai levar a crer a existência de tigres.
J.Pereira do Nascimento no seu livro Exploração Geográphica e Mineralogica no Districto de Mossamedes em 1894-1895 diz:
“Quando descia a duna que forma o fundo d’este sitio, tive ocasião de verificar um facto citado pelo Sr. Almeida Lima, quando em 1878 explorou a foz do rio Kunene, o qual consiste n’um ruido que produz a areia correndo do alto das dunas, semelhante ao rugir do leão. Como a encosta da duna tinha uma inclinação superior a 45º, para descer mais facilmente deixei-me escorregar sentado. A fricção da areia arrastada sob a pressão do meu corpo produzia um som profundo e vibrante que de algum modo se approxima do rugir do leão. Quando sopra com violência o vento sul, a queda das areias da camada superficial produz rugidos; creio que d’este facto, a principio mal interpretado, veiu a crença na existência de tigres n’esta bahia, d’onde o nome bahia dos Tigres.”   
A 3ª deve-se ao facto de terem sido encontrados cães de grande porte quando lá chegaram os primeiros pescadores, semelhantes a tigres.
Henrique Abranches escrevia no seu livro Senhores do Areal:
“Pedro Mbala sabia dos cães. Muita gente ouvira falar, de maneira mais ou menos vaga, sobre esses bizarros cães da Baía dos Tigres. Contavam-se versões diversas. Uma delas referia que no século XVIII um navio ainda não identificado naufragara ao largo dos Tigres. Os cães, aparentemente de várias raças, vinham a bordo e foram os únicos sobreviventes. Nadaram para a costa, encontraram um habitat duro e pobre, mas sem alternativa. Adaptaram-se a ele comendo principalmente o peixe morto que vinha dar à praia, ou as ovas de peixe tão abundantes que por vezes tingiam as águas da baía de um tom laranja; outras vezes caçavam raposas, perseguiam as aves marinhas com técnicas de guerrilha, dois atrás, pés na água, e um pela frente impedindo a vítima de tomar velocidade para levantar voo, ou ainda banqueteando-se com um ou outro cachalote, vindo misteriosamente acabar os seus dias no saco da baía que, a avaliar pelos enormes maxilares e costelas ósseas espalhados pela praia, parecia ser um cemitério consagrado pelos cetáceos. Uma outra versão contava que em tempos recuados instalara-se em Moçâmedes uma epidemia de raiva e a Administração ordenara a morte de todos os cães. Mas algumas pessoas, apiedadas dos animais, meteram-nos a bordo de uma barcaça e rumaram para o Sul para os deixar em qualquer praia, bem longe, mas em vida. Foi assim de desembarcaram os seus invulgares passageiros na Baía dos Tigres. Contudo não havia por lá nenhuma nascente, nenhum curso de água, mas esses admiráveis animais aprenderam depressa que a espuma das ondinhas que molhavam o areal não era salgada e, nos longos marasmos do vento, a água inerte com um espelho, lambiam a superfície que também não tinha sal. Nesse ambiente cruel, aprenderam a viver e multiplicaram-se, tornando-se eles próprios tão cruéis como o meio.”
Apesar de isto se tratar de ficção, não deixa de ser o que sempre se disse a propósito e que me lembro de ter ouvido contar.
2.       História
A Baia dos Tigres, é formada por uma longa restinga de areia, lançada quase na direcção Norte-Sul, paralela à costa com cerca de 35 kms de comprimento e delimitando um braço de mar com 11 kms de largura máxima (a norte). A restinga é muito baixa, não vai além de 3 a 4 metros de altitude; pelo contrário, o litoral que lhe fica em frente é constituído por um maciço dunar que sobe até 100-200 m, tem mais de 10 kms de largura e ultrapassa os 100 m a menos de 1 km do mar. Em 1962, a ligação da restinga com o continente rompeu-se e a antiga península originou uma ilha.
Deve ter sido visitada a primeira vez por Diogo Cão, em Janeiro de 1484. Duarte Pacheco, no seu Esmeraldo Situ Orbis (cap. 3º, liv.III) dá sobre ela os seguintes traços preciosos:
“Além da Angra das Aldeias (actual Tombwa) é achada uma enseada que terá duas léguas em largura na boca, que se chama Manga-das-Areias, e esta se estende por dentro pela terra cinco ou seis léguas, e na mesma bôca e dali por dentro tem 12 e 15 braças de fundo, e esta terra é deserta e nenhum arvoredo tem, porque tudo é areia; e dentro nesta manga há muita pescaria e, em certos tempos do ano, vêm aqui do sertão alguns pretos a pescar os quais fazem casas com costelas de baleias cobertas de sebes do mar. Fora da grandiosa e acolhedora enseada a navegação é difícil e perigosa”.
É provável que a actual Baia dos Tigres corresponda ao gôlfo da balêna que se segue à Ponta Verde, do Insularium Illustractum  de Henricus Martellos Germanus (1489)
A legenda latina deste mapa diz: “Até este monte que se chama Negro chegou a armada do rei de Portugal (João) segundo, da qual armada era comandante Diogo Cão, que erigiu uma coluna de mármore em memória do facto e seguiu avante até à Serra Parda, que dista do Monte Negro mil milhas, e aqui morre”.

Na carta de Diogo Homem (1558) figura uma reentrância, chamada Manga das Areias, mas localizada impropriamente a norte do cabo Negro.

Carta de Diogo Homem (1558)

No mapa de África que acompanha a Relatione del Reami di Congo de Pigafetta (1591) (Aqui http://www.clist.eu/Textes/royaume-kongo/1591-Pigafetta.pdf) não se nota na costa qualquer acidente ou designação que possa corresponder à Baia dos Tigres; e finalmente no mapa-mundi de António Sanches (1623), a manga das areias vem já localizada ao sul do Cabo Negro.

Mapa-mundi de António Sanches (1623)

Durante séculos a Baía deve ter-se mantido esquecida ou, quando muito, visitada apenas por alguns navios que, vindos do Brasil, procuravam as latitudes altas do Atlântico Sul para ganharem de seguida os ventos favoráveis, que os levavam, ao longo da costa africana, a Angola e ao Congo.

Nos mapas ingleses era referida como Great Fish Bay (Grande Baia dos Peixes).

Na Carta Geográfica da Costa Ocidental da Africa – desenhada pelo tenente-coronel Pinheiro Furtado em 1790, a restinga da baia figura como sendo formada por duas ilhas, nitidamente separadas do continente e já com a designação Ilha dos Tigres.


 

Em Agosto de 1839, o governador de Angola, vice-almirante A. M. de Noronha, encarregou o capitão-tenente Pedro Alexandrino da Cunha, comandante da corveta Isabel Maria, de explorar demarcar a costa meridional de Benguela. Então foram determinados com exactidão os pontos importantes dessa costa e entre eles a Baia dos Tigres. Por isso na carta que acompanha o terceiro volume dos Ensaios sobre a Statistica das Possessões Portuguezas na Africa Occidental e Oriental de Lopes de Lima, a baia aparece lançada com esses dados, mas desenhada ainda de forma que pode supor-se interrompida a ligação do seu istmo com o continente.

Nessa viagem seguia na corveta Isabel Maria, António Joaquim Guimarães Junior, que no seu livro Memória sobre a exploração da Costa Sul de Benguella na Africa Occidental de 1842, diz o seguinte: “Sahimos em 16 de Outubro para o sul, tendo uma viagem muito trabalhosa pelos ventos e correntes contrários, e que fez com que gastássemos 15 dias para chegar à peninsula dos Tigres, que dista da bahia d’Alexandre apenas um gráo, e ali fundeámos a 31 do dito mez, demorando-nos apenas 3 dias, pois que a vista horrorosa de montanhas d’area movediças á feição do vento, sem nenhum vestígio de vegetação, nem agua potável, excluía qualquer ideia d’exploração d’um logar, que apresentava todos os indícios de ser impossível ter habitantes, qualquer que fosse a sua condição. Não deixa comtudo de ser notável esta península, que forma uma extensíssima bahia que é muito abundante de peixe, de tamanho e qualidades muito próprias para exportar depois de salgados (na realidade é prodigiosa a quantidade e variedade de peixe que em toda aquela Costa se encontra, e de que athe hoje nenhum partido se há tirado, bem de como quasi tudo o mais).”

Como se pode verificar, nesta data, a baia era de novo uma península mas com um ténue istmo e mantinha a designação de Baia dos Tigres.

Em 1854 o governador de Mossâmedes, Fernando da Costa Leal, visitou a Baia e dali partiu por terra ao reconhecimento da foz do Cunene, e descreve-a da seguinte forma: “… até que finalmente no dia 8 (de Novembro) chegámos à latitude da ponta Norte da grande Baia dos Peixes, onde entrámos nesse mesmo dia. Esta vasta baia, que tem de largura seis milhas e meia, e dezoito de comprimento, é limitada a Leste por grandes dunas de areia, cuja máxima altura acima do nível do mar será de 8 a 9 palmos, e oferece um bom abrigo às embarcações de qualquer lote. A baia é muito abundante de peixe, sobretudo de baleias, como tivemos ocasião de observar.”

Note-se que Costa Leal, nunca nos seus relatórios referiu a designação Baia dos Tigres, preferindo utilizar o nome de Grande Baia dos Peixes, tradução da designação inglesa Great Fish Bay. Também a considerar o mapa anexo, em que é bem notória a Península.

Como se pode depreender do atrás exposto, a baia era uma península, depois nos finais do século XVIII transformou-se em duas ilhas, em 1839 ainda uma ilha e em 1854 de novo península, até que em 1962 se voltou a transformar numa ilha, facto que se verifica até aos dias de hoje. Isto prova que o fenómeno é cíclico e que dentro de alguns anos voltemos a ter uma península. Outro facto que convém realçar é a sua designação. Inicialmente conhecida por Manga das Areias, começa a aparecer como Tigres no mapa de Pinheiro Furtado em 1790. Ora a sua designação começou a mudar durante o século XVIII, precisamente no período em que há menos actividade na zona.
Em toda a bibliografia consultada, não há referências a cães nesta Baia, pois que sendo ela baixa, facilmente seriam visíveis das embarcações, pelo que para mim a hipótese do nome advir dos cães está fora de causa. Os cães só terão aparecido nos Tigres depois da fixação humana, uma vez que quando isso aconteceu existia uma península e logo havia livre circulação para o continente. Assim a 3ª versão está posta de parte.
A 2ª versão da origem do nome, que seria do som do rugido resultante do vento a soprar na areia, não parece ter muita lógica, pois só escuta esses sons quem está em cima das dunas ou depois delas com o vento a favor, nunca marinheiro algum poderia contra o vento, escutá-los. Lembrem-se que o vento ali sopra sempre de Sudoeste ou seja do mar para terra. Note-se que a designação Tigres apareceu pela 1ª vez em 1790 (séc. XVIII) durante um período em que, conforme referem os historiadores, a região esteve votada ao esquecimento, não me parecendo que alguém a possa ter alcançado pelo continente.
A 1ª versão, que seria a coloração tigrada das dunas, também não parece ter consistência, uma vez que a região continental das dunas tigradas, foi também denominada de Riscos, designação qua ainda hoje prevalece, exactamente por esse motivo. No séc. XVIII, como referido no paragrafo anterior, a zona foi pouco frequentada, e os barcos que por ali passavam faziam-no muito ao largo devido à perigosidade do seu mar.
Então de onde provem o nome de Tigres?
Nas minhas leituras, deparei com o depoimento do explorador inglês Willian Messum, que em Janeiro de 1855 esteve em Great Fish Bay e que diz a páginas tantas: “Great Fish bay tem considerável extensão, algumas dezoito milhas de Norte a Sul e seis a sete de largura; diminuindo gradualmente até ao fundo. É formado por uma estreita peninsula de areia, de cerca de meia milha de largura, para a extremidade é muito mais larga, talvez duas milhas (viam-se ali muitos ossos de baleia: trez sepulturas com inscripções portuguezas, todas da mesma data, das quaes eu collegi que alguns dinamarquezes estiveram ali, e uma grande tábua com inscripção da Cidade do Cabo, estava bastante cravada na areia. Talvez que os Portuguezes fossem mortos em algum combate com os naturaes. Vimos isto na retirada: se o tivéssemos visto na chegada, teríamos sido mais cautelosos dos naturaes: e isto explica o arreceiarem-se tanto de nós; elevada muito poucos pés acima do nível do mar, é realmente tão estreita esta gargantaque um partido de dez caçadores pode fazer recolher a um canto todas as hyenas de que é infestada”. E mais adiante, refere ainda: “Aqui accendemos lume e nos preparamos para ficar a noite, mas tivemos sempre sentinela, porque, nas minhas viagens, nem antes nem depois, eu nunca senti tão espantosas vozes de hyenas ou lobos, e toda a noite em roda de nós; que só se dispersaram exactamente quando o dia estava para romper”. Também Alexandre Magno de Castilho ali passou em 1867 e diz: “Só vimos muitos quadrupedes parecidos com rapozas muito grandes…”
Ora, para um leigo, estas palavras passam despercebidas mas como conhecedor da região, logo me lembrei das hienas que por ali habitam e fez-se luz. A espécie que habita a região é a hiena castanha  (Parahyaena brunnea, anteriormente Hyaena brunnea). O seu habitat resume-se ao deserto do Namibe e Kalahari, conforme se pode ver no mapa.
 
Distribuição da hiena castanha.
 
 
Espécies de hienas.
 
É um animal de de proporções generosas, podendo atingir 1,40mts de comprido, 90cm de altura e pesando até 60kgs. Eis o seu aspecto:
 
 
Repare-se na pelagem tigrada destes animais. Os exploradores e marinheiros do séc. XVII e XVIII, nunca teriam visto um tigre, pois a informação era muito escassa, e poderão ter confundido e atribuído a estes animais a designação de Tigres.


No meu ponto de vista foram estes animais que originaram a denominação de Baía dos Tigres, à Enseada das Areias/Grande Baia dos Peixes.
Bibliografia:
Ralph Delgado – História de Angola Vol. I
Gastão de Sousa Dias – Pioneiros de Angola
Gastão de Sousa Dias – Baia dos Tigres
Alfredo de Albuquerque Felner – Angola – Apontamentos sobre a colonização dos Planaltos e Litoral do Sul de Angola – Vol. 1 e 2
J. Pereira do Nascimento – Exploração Geographica e Mineralogica no Districto de Mossamedes em 1849-1895.
Alexandre magno de Castilho – Descripção e Roteiro da Costa Occidental de Africa : Desde o Cabo Espartel até O das Agulhas – Vol. 2
António Joaquim Guimarães Junior – Memória sobre a exploração da Costa Sul de Benguella na África Occidental
Carlos Rocha Machado – A Bahia dos Tigres e as aguas ndo Rio Cunene na sua foz
Carlos Alberto Medeiros – Nota sobre o povoamento da Baia dos Tigres
André Guilcher, Carlos Alberto Medeiros, José Esteves de Matos e José Tomás de Oliveira, em “Les Restingas (Flèches Littorales) d’Angola, spécialement Celles du Sud et du Centre”.
 
 
 
 
 

3 comentários:

  1. Gostei muito Aurélio. Um trabalho de persquisa perfeito e muito bem otganizado. Espero mais. Bj

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  2. a realidade o nome vem das dunas e nao das hienas...

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